Katy Perry em entrevista para a revista Única

Custa a crer, mas a artista californiana que conquistou a fama com o seu lookatrevido e temas como ‘I Kissed a Girl’ e ‘Ur So Gay’ nasceu no seio de uma família fortemente cristã, onde o sexo era tabu. Os pais, pastores metódicos, “não ficaram propriamente entusiasmados” por ver a filha, de 26 anos, cantar a fantasia de beijar uma rapariga (o objeto do desejo era a atriz Scarlett Johansson) e ironizar a obsessão de um ex-namorado pelo eyeliner, mas não terão sido apanhados de surpresa.

Desde muito nova, Kate Hudson (Perry, o apelido materno, só viria muito mais tarde, para que não a confundissem com a atriz homónima) deu sinais de que não estava conformada ao papel de ser mais uma no rebanho. Aos 16 anos, abandonou a escola e partiu para Los Angeles, para perseguir o sonho de ser cantora. Foram precisos oito anos de muitas frustrações, com três contratos discográficos que nunca chegaram a concretizar-se, até obter a consagração, com o multiplatinado álbum “One of the Boys”, o trabalho que a lançou para a estratosfera.

Madonna declarou ‘Ur So Gay’ a sua canção favorita, e o mundo despertou para a jovem californiana com ar de pin up e canções que recuperavam o lado mais divertido da pop. Ao mesmo tempo que subia nos tops de vendas, Katy Perry conquistava os jornalistas com a sua natureza ambígua. Em cada entrevista, reivindica a fé cristã, mas nunca deixa de alimentar a provocação sexual, como acontece no vídeo de “Fireworks”, o single seguinte do novo trabalho, “Teenage Dream”, em que ‘dispara’ fogo de artifício pelo peito.

A obsessão com o generoso busto da cantora é tal que, em setembro, uma atuação no popular programa infantil “Rua Sésamo” foi cancelada depois dos protestos de um grupo de padres enfurecidos com o revelador decote. Na véspera de regressar ao Campo Pequeno, onde atuou no verão de 2009, foi uma Katy Perry mais contida do que é habitual aquela que falou ao Expresso sobre a sua nova digressão – que teve início em Lisboa. Foram 15 minutos de conversa, cronometrados ao minuto, sem direito a perguntas sobre a faustosa boda na Índia com o ator cómico britânico Russel Brand, que lhe terá oferecido na ocasião um tigre de Bengala.

Regressa a Lisboa e ao Campo Pequeno, onde já esteve em 2009. O que podemos esperar deste concerto? Vai ser o primeiro concerto da nova digressão, que só no verão vai chegar aos Estados Unidos. Criei um espetáculo que, acredito, irá entusiasmar-me todas as noites. É divertido, é engraçado, e espero que inspire todos aqueles que o virem. É isso que pretendo: fazer as pessoas sorrir e fazer com que se inspirem para fazer do mundo um lugar melhor. Há dois anos, cantei em Lisboa para três ou quatro mil pessoas, o que foi provavelmente uma das maiores audiências da minha primeira tournée, a Hello Kitty Tour. O espetáculo, agora, vai ser mais longo e mais exigente. Vou cantar para uma audiência entre cinco e doze mil pessoas, por isso preciso de subir o nível. Sinto-me como um atleta a treinar para os Jogos Olímpicos. Além de aulas de canto, tenho muito treino físico, para que não me falte energia em cima do palco.

Do que é que se lembra da sua primeira passagem por Lisboa? Foi a primeira vez que estive em Portugal e fiquei alguns dias depois do concerto. Achei um país lindo. Espero desta vez poder fazer o mesmo. Lembro-me que toquei para uma audiência grande e estava muito nervosa. Mas durante o concerto senti-me muito acarinhada, mais do que em qualquer outra parte do mundo. Não imaginava que os portugueses pudessem estar tão interessados em mim e conhecer tão bem o meu trabalho.

O seu último álbum chama-se “Teenage Dream”. Ser cantora sempre foi o seu sonho de infância? Sim, desde os 9 anos, quando descobri que tinha este dom. Com 16 anos, deixei a escola para tentar uma carreira musical. Fui sempre muito empenhada, sempre corri atrás das oportunidades. Nunca fui de ficar no sofá à espera que as coisas acontecessem, à espera de conseguir um contrato.

Mas não teve um início fácil… É verdade, não tive. Por três vezes senti que alguma coisa ia acontecer e depois acabou por não acontecer. Foi como uma viagem numa montanha-russa, com muitos altos e baixos. Tive de manter-me concentrada no que queria. Olhava para a indústria da música, para os novos artistas que surgiam, comparava-os comigo e sentia que ainda havia espaço para mim. Sempre achei que o que tinha para trazer à indústria e ao público era diferente do que qualquer outro artista tinha para oferecer. Sabia que era suficientemente única, que o meu lugar não estava ainda preenchido. E por isso continuei a tentar, porque um dia teria a minha oportunidade.

Teve uma educação fortemente religiosa. A fé ajudou-a nesses momentos? A espiritualidade sempre foi e continua a ser muito importante para mim. Procuro-a ainda mais agora, numa altura em que há tanta loucura no mundo e à volta deste tipo de vida. Temos de encontrar o nosso equilíbrio quando somos bem sucedidos ou famosos, e a espiritualidade ajuda-nos a mantê-lo. Tenho uma canção no último álbum chamada ‘Who Am I Living For’, que fala da minha fé pessoal, da minha batalha constante entre o que é certo e o que é errado, do que significa realmente todo o meu sucesso. A minha família era muito particular, muito única, mas ajudou a construir o meu carácter, ensinou-me os valores da integridade e do respeito, a diferença entre o bem e o mal, que aplico à minha vida.

Os seus pais ficaram chocados quando cantou temas como ‘I Kissed a Girl’ e ‘Ur So Gay’? Bom, não são as canções favoritas deles, mas eles sabem que eu sempre gostei de forçar os limites. Sempre fui um pouco a ovelha negra da família…

Já estava à espera… Sim, conheciam-me, mas não sou ingénua. Sei bem que não ficaram propriamente entusiasmados.

Têm-na apoiado? Sim, apoiam-me muito. Hoje mais do que nunca. Somos mais família atualmente do que alguma vez fomos. Às vezes, os pais são muito duros connosco quando estamos a crescer, mas quando ficamos mais velhos eles percebem que vamos ficar bem e deixam de ser tão duros. Passam a ser mais nossos amigos e menos disciplinadores e controladores. Eles mudaram, como eu mudei. Para melhor.

Numa entrevista, disse que começou a afastar-se da Igreja quando, na adolescência, percebeu que o sexo não tinha de esperar pelo casamento. O sexo mudou a sua relação com a religião? Comecei a perceber que algumas das crenças com que fui educada… Sabe, fui educada para ter fé, mas não a questionar. E eu sempre fui o tipo de pessoa que gosta de colocar as perguntas, que quer saber os porquês. Sempre fui muito opinativa.

É difícil encontrar o equilíbrio entre o lado espiritual e o lado mais provocador, mais sexual? Eu sou uma mulher, e a História tem demonstrado que as mulheres têm muitas dimensões. A minha personalidade, aquilo que sou, não é unidimensional. Tenho muitas camadas. A provocação não tem de ter sempre uma conotação negativa. Por vezes, é bom ser provocador.

Como assim? Podemos, por exemplo, provocar uma ideia que ajude a mudar a perspetiva das pessoas sobre uma determinada coisa. E há uma diferença entre ser provocador e ser sensual. Posso ser provocadora sem ser sensual e posso ser provocadora sendo sensual. Tudo depende de como pretendo comunicar uma determinada mensagem. E essas duas dimensões não são as únicas que me definem. Também sou uma boa comunicadora, seja de histórias ou canções, e gosto de estabelecer ligações com as pessoas nos meus espetáculos ao vivo. Como mulher, há muitas facetas e ângulos de mim. É tudo uma questão de encontrar o equilíbrio.

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